Valor da água
Água pura e cristalina
brota do chão como uma flor,
alimenta o mundo inteiro,
tratemo-la com muito amor.
Hortense Inácio, Cardozal, Querença
Valor da água
Água é mais forte que sol
E se diz que o sol é criador,
Se não houver água na raiz
Nada, nada abre em flor
Albertina dos Santos, Várzeas, Querença
GPS
CARACTERÍSTICAS NATURAIS
Querença encontra-se integrada, na sua totalidade, na Zona de Proteção Especial da Rede Natura 2000, que inclui o Sítio Classificado da Fonte da Benémola, referência no mapa de passeios pedestres.
Os valados, muros de pedra seca, fundamentais na manutenção do ambiente e da paisagem, expressam bem a relação harmoniosa e de interdependência entre o Homem e o mundo natural.
O clima mediterrâneo, termomediterrâneo seco a sub-húmido, é caracterizado por verões quentes e secos, invernos pouco rigorosos e chuvas irregulares.
O terreno conhece o grés e as margas na faixa serrana e o calcário na do barrocal. Os solos são pedregosos, argilosos, ácidos e com declives acentuados. Identifica-se o xisto grauváquico do período geológico Carbonífero na zona da serra. Nos vales e na beira serra, rochas de doleritos do período Jurássico, grés de Silves, margas do período Triásico e aluviões de mais recente origem. No barrocal os solos são calcários, dos períodos Jurássico e Cretássico.
ORIGENS
Na Monografia do concelho de Loulé (Algarve em Foco Editora, 1905), escreve Ataíde Oliveira: «Nome é extranho e que no antigo português significa logar onde se criam falcões ou sitio que os animais preferem. (…) Outros escrevem que o nome de Querença que, em português antigo também significa affecto, amor, boa vontade, deriva do extremo desejo que os habitantes de Querença de principio mostraram sempre em conservar a sua independencia das mais freguezias.»
De pequena localidade da freguesia de S. Clemente de Loulé, no início do século XVI, Querença foi elevada a sede de freguesia, em meados de quinhentos e, em 1554, aparece designada como freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Querença (Visitação de Igrejas Algarvias pela Ordem de São Tiago de 1554). Em 1600 aparecem referenciados 60 fregueses e 203 vizinhos. Em meados do século XVIII, 698 pessoas habitavam a freguesia.
No século XX, em 1997, a sua área foi reduzida em virtude da criação institucional da nova freguesia de Tôr. Com a reforma administrativa de 2013, a freguesia de Querença foi extinta para formar uma nova freguesia, a par com as de Tôr e Benafim: a União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim, da qual constitui a sede.
OCUPAÇÃO HUMANA
As grutas do Cerro da Corte, junto à Fonte da Benémola, fixam os primeiros sinais de ocupação humana no período do Neolítico.
Foram encontrados vestígios de uma sepultura com materiais arqueológicos na Solestreira maior, gruta com cerca de 70-80 metros de comprimento, explorada por investigadores ingleses e alemães no século XIX. Em 1884, o arqueólogo português Estácio da Veiga (1828-1891) despertou a atenção da comunidade científica internacional, em particular de Hans Gadow, para o valor paleontológico destas grutas: «Em 1885 foi elle [Hans Gadow] fazer um reconhecimento na Solestreira, onde achou um esqueleto humano, contas da chamada alaite e outros objectos… está portanto provado que a caverna foi utilizada para deposito mortuario mui provavelmente no periodo neolitico ou na época da transição desse periodo para a edade do bronze, em que tambem apparecem no Algarve as celebres contas de calaite nos depositos mortuarios.» Gadow publicaria um ano depois sobre as grutas de Querença pela University Press. Os achados algarvios encontram-se no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
A cerca de 30 metros, a sudoeste, localiza-se a gruta da Solestreira menor, também conhecida por Igrejinha dos Mouros, que apresenta vários compartimentos e uma abóbada de pedra sustentada por colunas. Ao centro, uma pedra com cerca de um metro de altura é apelidada pelo povo de Moura Encantada.
Na zona da Fonte da Benémola foi encontrado um machadinho votivo em pedra polida do Neolítico final/Calcolítico, de finais do 4.º – 3.º milénios a.n.e.. A peça pode ser vista no Museu Municipal de Loulé.
Em 1890 foi registada mais uma mina de cobre em Querença, pertencente à Idade do Bronze, conhecida por Vendinha do Esteval. Na região, encontram-se vestígios de exploração mineira pelos romanos, tendo sido encontrado, no sítio do Cerro dos Negros, um pequeno galo de bronze desta época.
Foram também encontradas em Querença duas moedas que testemunham a ocupação islâmica.
PATRIMÓNIO NATURAL
Localizado na faixa de encontro da serra com o litoral, o barrocal é distinto pelos elevados índices de diversidade e de alguns endemismos de Portugal continental.
A água espelha a nota comum e mais marcante dos passeios pedestres ao longo das ribeiras de Querença: Menalva, Algibre e Mercês. A Fonte Filipe e a Fonte da Benémola constituem outras das referências incontornáveis de Querença.
Deste mapa natural fazem ainda parte os vales das Mercês e da Benémola e os cerros, mais de 20. O dos Negros tem vista para o Atlântico.
Querença é também a “casa” de algumas árvores centenárias. Registe-se, entre outras, a existência de duas oliveiras milenares, com cerca de 1.300 anos, uma localizada junto ao Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, a outra junto à ermida da Nossa Senhora do Pé da Cruz.
FONTE DA BENÉMOLA E BIODIVERSIDADE
A Fonte da Benémola pertence ao sistema do aquífero Querença-Silves, o maior do Algarve. A nascente cársica (exsurgência), nas margens da ribeira, é uma das principais fontes naturais do Algarve central.
Nesta zona é possível observar um troço de vale em canhão, profundo e de paredes íngremes, que corta antigas galerias abertas no calcário, e a nascente ativa. Deste corredor natural de excelência fazem parte o açude, a levada e o sítio do Olho, onde brota água todo o ano. No Sítio da Fonte da Benémola foi instalada uma zona de merendas, antecipando subidas a cerros com declives mais ou menos acentuados, à escolha do caminhante.
Este Sítio alberga mais de 300 espécies de plantas. Com o guia ideal, encontre o funcho, bom para fazer chá e acalmar a barriga, o tomilho de que se pode sentir o perfume, a perpétua das areias, a lembrar o passo lento dos camaleões e o cheio a caril. A aroeira, o alecrim e o rosmaninho. Troviscos, estevas, murtas e medronheiros; madressilvas e orquídeas selvagens. De maior porte, os freixos, salgueiros, tamargueiros e loendros. A azinheira, o carrasco e o zambujeiro.
Este Sítio é também abrigo de cerca de uma centena de espécies de aves, residentes e migratórias. Com sorte, poderá observar guarda-rios, felosas, abelharucos, melros, chapins e, quem sabe, o maior mamífero da Benémola: a lontra. À noite, pode cruzar-se com morcegos que habitam as grutas das Solestreiras. Interior não visitável.
Aos sábados de manhã, poderá participar de uma sessão de anilhagem científica de aves. Procure por Fonte da Benémola – Anilhagem Científica de Aves no Facebook e confirme se esta atividade se realiza na data que pretende.
PATRIMÓNIO EDIFICADO
IGREJA MATRIZ
Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz
Cruzeiro
Encontra-se no Largo da Igreja, frente à Matriz. O cruzeiro, de cantaria, está assente sobre uma rocha calcária com um desnível que permite criar um espelho de água.
Cemitério
Pólo Museológico da Água
QRER - COOPERATIVA DE SERVIÇOS
A QRER, com base em Querença, é uma cooperativa de serviços que cria valor partilhado entre mais de 20 cooperadores em territórios de baixa densidade populacional. Gerou e dinamiza a primeira incubadora criativa no interior do Algarve – a QRIAR – que, através dos seus qriadores, pretende ativar e difundir uma oferta cultural inovadora no interior do Algarve, de Loulé a Alcoutim.
A QRIAR atua na área das indústrias culturais e criativas (ICC), das artes e ofícios à arquitetura sustentável, do turismo criativo às artes visuais. Cria sinergias entre os agentes das ICC e dinamiza o ecossistema empresarial, capacitando empreendedores e novas empresas. Integrada numa rede de cooperação transfronteiriça – Projecto Magallanes_ICC – alinha-se para a criação de um modelo de empreendimento na Eurorregião Algarve, Alentejo e Andaluzia.
Fundação Manuel Viegas Guerreiro
O complexo cultural foi instituído em 2000 sob os valores humanista e universalista do seu patrono, o antropólogo Manuel Viegas Guerreiro. Promove o desenvolvimento cultural, social, ambiental e económico do Algarve a todos os níveis. Organiza e promove grandes eventos culturais e artísticos, entre eles o Festival Literário Internacional de Querença.
Valências: Biblioteca Museu Manuel Viegas Guerreiro; Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro, especializado na Região; Hemeroteca do Algarve; auditório com 106 lugares; Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, outro filho de Querença, homem da ciência e precursor da Ecologia em Portugal.
OUTROS PONTOS DE INTERESSE
No Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, além de um santuário representativo da flora mediterrânica, pode aceder a uma peça cultural do projeto Daqui, Sente o que Vês. Um totem com Código QR abre o caminho para assistir ao filme Cosmos Micro, que trata os conceitos de conexão e desconexão do homem com a natureza, através da dança. Os protagonistas são as crianças que frequentaram a escola básica de 1.º ciclo de Querença em 2022.
Em Alte e no Ameixial encontrará outros produtos deste mesmo projeto, implantado no interior do Algarve pela associação cultural Figo Lampo, com sede em Querença.
FESTAS E ROMARIAS
DINÂMICAS HUMANAS
O setor terciário ganha cada vez mais terreno. O agroturismo, a restauração e o comércio dinamizam a economia local. O empreendimento Ombria Resort é pináculo desta reconfiguração económica e paisagística, já que integra um campo de golfe, moradias, apartamentos de luxo e hotel.
Todavia, a agricultura ainda desempenha um papel importante no quotidiano de várias famílias de Querença, ligada à produção hortofrutícola e dos frutos secos.
Registe-se que, nos últimos 50 anos, as hortas desta faixa da beira-serra têm sido alvo da curiosidade e voracidade de uma espécie de javali que se alimenta de vegetais, raízes e formigas. Para evitar a invasão dos hortejos, a Associação de Caçadores de Querença oferece outros manjares em locais criados para o efeito, mas sem grande sucesso, dada a qualidade da produção não só de vegetais como de bolotas doces, verdadeiro pitéu para este porco selvagem de pelagem clara, mais comprida que o habitual, por causa do frio. As suas sedas, como descrevem os caçadores, são fortes ao ponto de uma faca não as conseguir cortar. Chegam a pesar 90 quilos.
Neste território, os caçadores desempenham um importante papel de equilíbrio da natureza, na limpeza de terras abandonadas, no resgate de espécies como bufos e águias de Bonelli, no fornecimento de água e comida à vida selvagem.
Acompanham as dinâmicas humanas, as indústrias criativas ligadas ao artesanato, à cestaria e objetos feitos em empreita. Nos bens alimentares, a produção de barras energéticas, dos chouriços, da aguardente de medronho, do mel, dos frutos de elevada qualidade, da caça, aliando estes últimos à oferta gastronómica local, condimentada e decorada com as ervas aromáticas locais.
A identidade do território cumpre-se ainda hoje na representação das artes e ofícios de que são embaixadores os habitantes desta região.
No artesanato local, tal como noutras freguesias vizinhas, ainda existe confeção artesanal na área das rendas, bordados e trapologia. A utilização de velhos tecidos em tapetes e naperons, colocam num mesmo plano o passado de necessidade com o futuro da sustentabilidade.
Filipa Faísca, natural do sítio do Borno, Querença, sintetiza a corografia humana do barrocal com a sua arte de bonecos de tecidos: apanhadores de medronho, ceifeiras e fiadeiras, caldeireiros, moleiros, cesteiros.
Poetisa, Filipa Faísca canta, conta, soma participações em exposições, aparições públicas e publicação de livros. Resume-se:
Poeta tem cinco letras
E grande valor encerra
É das palavras perfeitas,
A maior que há na terra.
In Povo, povo, eu te pertenço (CML, 2000)
GASTRONOMIA
Javali, coelho, galinha cerejada, galo de cabidela, xerém (papas de milho). Licores tradicionais feitos a partir de frutos locais, do mel, ervas aromáticas, e aguardente de medronho. Na doçaria, as tartes de alfarroba, figo e amêndoa são imperdíveis. Especial destaque para os Xaringos, biscoitos fritos de massa de farinha de trigo e ovos, polvilhados com açúcar e canela, muito característicos desta localidade.